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Renúncia do Papa de acordo com o Direito Canônico

Por Anis Kfouri Junior
13/02/2013

Após um período de viagem recente, dedicado ao estudoda legislação do Vaticano, com características bastante peculiares, cumpre trazer algumas notas em face da histórica renúncia do Papa, apresentando peculiaridades da legislação e do Direito Canônico, bem como da composição e administração do Estado do Vaticano, que constitui o menor país do mundo, mas com uma projeção mundial enorme, ao mesmo tempo em que registra um processo eleitoral singular.

Sob o enfoque do Direito Constitucional, podemos considerar o Vaticano como uma monarquia não hereditária, sendo o chefe da Igreja também o chefe do Estado (país). Seus eleitores (cardeais), por seu turno, estão presentes em diversos pontos distintos do planeta, possuindo todos eles dupla cidadania, na medida em que também possuem a nacionalidade Vaticana, além da nacionalidade própria de seu país de origem. Sua legislação (Direito Canônico) tem abrangência praticamente global, sendo o Vaticano a última instância recursal, em determinadas hipóteses. Todas essas características ressaltam a importância do estudo comparado, motivo pelo qual discorreremos brevemente, nas linhas seguintes, sobre os aspectos da renúncia e eleição do Pontífice Romano.

Embora incomum, a renúncia do Papa é uma possibilidade contida expressamente no parágrafo 2º do Cânone 332 (equivalente a artigo) do Código de Direito Canônico, que estabelece, conforme edição da Libreria Editrice Vaticana, editora oficial do Vaticano:

“§2º Si contingat ut Romanus Pontifex muneri suo renuntiet, ad validitatem requiritur ut renuntiatio libere fiat et rite manifestetur, non vero ut a quopiam acceptetur.”

Cuja tradução pode ser assim interpretada:
“2º Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie a seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não que ela seja aceita por alguém.”

Assim, para que a renúncia seja válida devem ser observados alguns requisitos legais, valendo lembrar que o Sumo Pontífice representa, além de chefe supremo da Igreja, também o chefe de Estado e de governo do Vaticano, cargo equivalente ao de presidente da República.

Contudo, ao contrário do que ocorre no caso dos presidentes de República, cuja renúncia deve ser submetida à aprovação por um Congresso ou Câmara, a renúncia do papa não precisa de aprovação do Colégio de Cardeais, bastando tão somente o ato unilateral do Pontífice Romano para tal validade.

Com a renúncia ou morte do papa, é decretada a Sede Vacante, que consiste no reconhecimento oficial da ausência do chefe da Igreja, momento no qual compete ao Camerlengo promover a organização dos procedimentos para a realização do Conclave, que elegerá o novo papa.

Diversas regras específicas marcam o final do papado, bem como o processo eleitoral.

Nesse sentido, por exemplo, não existe a inscrição oficial de candidatos no processo do conclave, sendo elegíveis, salvo exceção (v.g. idade), todos os cardeais. Dessa forma, enquanto na eleição comum, a manifestação de vontade é feita já pelo candidato no momento de sua inscrição, no caso do Conclave, o eleito deverá aceitar o resultado da eleição para sua validade.

Tal regra também está prevista no Código de Direito Canônico, com o seguinte conteúdo:

“Can 332. §1. Plenam et supreman in Ecclesia potestatem Romanus Pontifex obtinet legitima electione ab ipso acceptata uma cum episcopali consecratione. Quare, eandem potestatem obtinet a momento acceptationis electus ad summun pontificatum, qui episcopali charactere insignitus est. (...)” (versão oficial Libreria Editrice Vaticana).

“Can 332. §1. O Romano Pontífice obtém o poder pleno e supremo na Igreja pela eleição legítima por ele aceita, junto com a consagração episcopal. Por conseguinte, o eleito para o sumo pontificado, que já tiver o caráter episcopal, obtém esse poder desde o instante da aceitação. (...)

O eleito, seguindo a tradição de Pedro, fundador da Igreja — cujo nome era Simão, também adota um nome para o exercício do Pontificado. Mas além do nome, o brasão também constitui marca pessoal do Pontífice eleito. Seguindo regras da Heráldica, o brasão traduz valores e ideais de cada papa.

No caso do Papa Bento XVI, seu brasão (na imagem ao lado) contempla uma concha, a representar, segundo apresentação do Vaticano, a lenda/parábola das conchas na praia, atribuída a Santo Agostinho, pela qual reforça a importância da fé — além de ser um símbolo do peregrino, a percorrer o mundo com a sua mensagem; um urso, a ilustrar uma lenda antiga que registra que o primeiro bispo de Frisigna, durante uma viagem a Roma, teria sido atacado por um urso. Conseguindo, entretanto, não somente aplacar o urso, mas fazê-lo carregar sua bagagem até Roma, a história representa a intervenção de Deus, ao passo que o fardo, representa o peso do episcopado carregado pelo Pontífice, dentre outros símbolos contidos.

O Brasão papal não se confunde com a Bandeira do Vaticano, representando o Estado (país), cujas cores são amarela e branca.

Considerando que o papa também exerce a função de chefe de Estado, a Sede Vacante pode ser equiparada, a grosso modo, a ausência do chefe de Estado, não havendo, entretanto, a existência de um vice (como ocorre na maioria dos países) que exerça interinamente o cargo. Assim, nesse período, adquirem funções especiais temporárias o Camerlengo e o Colégio de Cardeais, representando e atuando interinamente.

Poucas obras se dedicam exclusivamente ao processo de eleição do papa. Após longa pesquisa, recomendo a obra “IL Conclave — Storia Dell ‘Elezione del Papa”, Alberto Melloni, Bologna, Itália: Mulino, para aqueles que tenham interesse em aprofundar seus estudos.

Estas são algumas breves considerações, de cunho histórico e legal, do processo de renúncia, e eleição do papa.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-fev-13/anis-kfouri-renuncia-papa-acordo-regras-direito-canonico

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